"O que sabemos de nós mesmos e o que guardamos em nossa memória, para a felicidade de nossa vida, não é tão decisivo como se pensa. Chega um dia em que aquilo que os outros sabem de nós (ou julgam saber) cai sobre nós - e a partir de então reconhecemos que é isso o que há de mais poderoso. Arranjamo-nos melhor com a má consciência do que com a má reputação."
Nietzsche com esse aforismo nos prova uma vez mais que era um homem a frente de seu tempo ou, pelo menos, um homem livre em uma época tão repressora. daí me veio à cabeça o seguinte: o que guardamos em nossa memória - e Nietzsche descreve dessa forma para marcar um traço de impessoalidade na personalidade - e que se torna "o que sabemos de nós" não passa necessariamente pela aprovação, reprovação ou indiferença do outro?
A história da humanidade traz muito disso. Quantos com tamanha eloquência e persuasão, através dos tempos, disseram quem é quem, o que é o que, de que lugar alguém é, de que lugar aquilo vem, e as culturas, assim, foram se moldando. No encontro de leis e verdades mundanas com o que há de essencial e original no animal humano, personalidades foram se criando e recriando e proporcionando o que há de mais improvável e livre, explodindo em complexidade cada vez maior.
Porém, dessa complexidade persiste a regra mais simples que determina o rumo dos juízos feitos por nós mesmos. Diferentemente da realidade, que se mostra objetiva, a verdade é puramente subjetiva. Logo, tendemos a procurar a aprovação em todos os lugares inimagináveis: Astros, Pedras, Formas,... e, claro, no outro.
Em tempos remotos, me convenço de que de todos os outros fatores se obtinha um efeito muito mais substancial do que do ser semelhante, na formação do caráter e da personalidade (se é que isso existia em tempos remotos). Porém, no mundo moderno, o que a outra pessoa sabe sobre você possui um poder certamente assombroso. A constatação de que há "alguéns" capazes de ter uma visão imparcial e completamente sem compromisso com um Ego (o seu ego) é de arrepiar, primeiro, e angustiar profundamente depois.
"Eu sou superior!"; "somos os mais inteligentes"; "só tenho atitudes corretas"... indivíduos que não tiverem em seus corações um caloroso fogo mantido por um forte indício ou crença que irá manter sua posição, pode começar a se preparar a enfrentar um conflito interno à primeira contradição. "você é um gordo". Claro que não o é. Mas como saber? Tudo que ele sabe vem de comparações, de invenções, categorias, padrões. Quem irá medir isso tudo pra formação de um denominador comum? Pois é...
As palavras têm força, mas assim como os músculos dependem do suporte dos ossos para realizar o golpe desejado, interessa também de que cabeça, de que figura simbólica os "vereditos" vem. Os medos e as crises existenciais provêm tanto de uma ausência de sentido, ou seja, uma liberdade exacerbada, uma vida de dúvidas, quanto de um mundo completamente fechado, onde tudo faz sentido e as constatações são cruéis, frias e verdadeiras. Em ambas, a opinião do outro é decisiva.
Diante disso, vejo os Titãs nunca saindo de moda e seu famoso e subestimado refrão "é preciso saber viver" pra lá de crucial. É a sinuca de bico da vida: vivemos sem o outro? Não. Vivemos bem com eles? Só quando convém...
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