terça-feira, 30 de agosto de 2011

História com fim

E a morte, hein?

Presente e insistente, a morte é a única que nunca morre. Indefinida e indefinível, nos oferece certezas e incertezas.

Discreta para a maioria no exato momento em que escrevo e em que você lê esse texto, quando aparece, aparece e fica por generoso tempo. De discreta a exibida, quase escancarada. É assim quando a sentimos perto. Seja noutro, seja em nós. E senti-la mais aflorada representa um choque de reflexão, uma interferência no anestesiamento de qualquer mundo, o sinal oriundo da divindade lembrando do engano da linearidade.

Difícil compreender que o sorriso de um dia, sumiu. Que as promessas e os projetos jamais deixarão de ser apenas pensamento. Que o tudo virou nada possível. Um desafio para nós sermos jogados ao mar das incertezas, ao oceano das possibilidades, sem uma ilha sequer. É lá que a morte nos joga. Mas não porque seja má por si só, mas porque "lá", existe. Lá existe, ali e aqui do lado, a todo tempo. Faz parte. A morte simplesmente passa e descortina nossa fronte. Deixa um rastro branco, limpo de doer os olhos e a mente, e nos tira do repouso. Indica o fim da história, mas força também sua continuação. Desgasta e desbota a realidade, mas fará lembrar, em algum momento ulterior, que uma chama extinguiu, mas o fogo ainda existe. Sua chama existe! Ela persiste e exige pressa! Pois ela, assim como a outra, finda.

Finda! E findará sempre brigada com a razão. Porque razão e vida são inimigas! De bandeira branca, claro. Mas somente até que a morte anuncie o conflito explicito e ponha fim a guerra fria. A batalha então, em grande porção das vezes, é árdua e longa. Mas possui toda nobreza. Traz robustez, oferece construção, oferece profundidade para o espirito. Oferece a visão dos espaços para os quais você pode - e deve - expandir. E oferece, por fim, ao menos, um aperto de mãos entre razão e vida, com menos mágoa e angústia.

Morte, sua certeza inibe todas as outras certezas e ainda consegue erguer e fazer viver. Imagina a vida sem a morte? Que sentidos teria? Nem sei se vida seria...

sábado, 13 de agosto de 2011

Uma vida em duas

Um espaço 3x4 preenchido pela luz e o silencio da tv. Imerso numa história sem tempo e sem calor. Uma noite de solidão, dentro e fora do pensamento. Foi assim que se deu o sono, foi assim que adormeci.

E foi assim que o tempo apareceu. Foi assim que ele passou. Tudo porque surgiu uma vida. Um sonho despretensioso, um algo 'alguma coisa' que não tinha planos de aparecer. Estava tudo antes tão sereno. Sereno daqueles bem perigosos, bem sem cor. E eis que como uma balde cheio de tinta, o sonho encharcou o nada e me colocou de volta a história. Sabendo-me eu, e sabendo-me poderoso, comecei a sentir uma pontinha de empolgação. Como água que invade o corpo sedento, senti cada extremidade, pulsando. Podia sentir a irritação. Mas junto a ela o prazer de senti-la. Custei a entender o que se passava. Parecia uma imagem vivida no futuro. Uma erupção de elementos familiares para mim, mas não entre si, que se harmonizavam. Um surgir, parecido com aquele que se imagina ser o último surgir. Um surgir seguro, transbordado de certeza. Por mais que não soubesse o que iria acontecer ali, o coração pulsava na cadência da segurança. As paredes não possuíam tijolos ou concreto, apenas a luz de uma absoluta verdade de que eram paredes. Os móveis, suas disposições, eram iguais. Mas todos carregavam suas histórias ali a saltar os olhos. Tinham o tamanho de suas vivências e experiências. Era possível ser excitante aquilo. Era possível estar no comando. Era possível não se afetar com as facticidades ocultas. Era plenamente possível sorrir. E sorri. Sorri muito. Sorri para os outros, como numa infância. E como numa infância, todos estavam a vontade para brincar e jogar. Embora tenha percebido que sorrir também fazia parte do jogo, não me preocupava em saber se isso seria bom ou ruim. Afinal, na minha intuição só havia um comportamento possível, só havia um sentido de expressão de mim. Sorrir era ser. E desprovido de qualquer arma, capa ou truque, fui sendo e fui jogando com minha história. Imaginando no acontecer do que nunca iria acontecer. No que foi dado como bondade para mim e que havia sem relutância rejeitado. Foi aí então que, tal qual o súbito do faiscar, procurei sem querer alguém e achei justamente quem queria. Olhei diretamente pra sua boca e seu sorriso, seus dentes a insinuar a perfeição e seu júbilo explosivo, empurrando as bochechas. Só quis me aproximar e o fiz. Queria descobrir sua fragrância, queria fazer mudar o destino que berrava a mim consumado. fui me chegando e o calor foi me moldando. Fui ganhando corpo, ganhando contornos, ganhando humanidade. Me aproximei definitivamente e sua boca ficou séria. Pude entender a mensagem contida naquela diferença. Ergui meu rosto, toquei seus lábios. A beijei! Pude ver então seus olhos sorrindo, marejados. Que veemência! Pude ver a mim dentro dela! Além de sentir o carinho e a pureza daquele olhar, pude ver em matéria toda minha alegria. Inimaginável sequer supor que toda aquela imensidão de felicidade pudesse ser ocultada, pelo que quer que seja...
...Mas foi. Senti um choque e uma pontada. Senti minha própria traição, senti a lucidez sólida, a presença de um escândalo. O sofrimento coerente ao descortinar de um erro de uma eternidade, vindo a tona. Lembrei do que me fazia morrer a cada dia: de que não podia vê-la dentro de mim! Lembrei que não existia somente euforia e excitação aqui dentro. Lembrei de tudo que além daquelas primeiras sensações, daquele deleite pleno, existia. Agora tudo, além daquilo, existia. E não podia amá-la. Não podia senti-la. E novamente, não pude amá-la e senti-la...

Acordei.

Soubesse eu que viveria intensamente duas vidas, e que as teria vivido igualmente. Soubesse eu que as vidas andam sempre enganando, porém jamais escondendo o que uma espelha noutra. Soubesse mesmo eu que um sonho tem sua própria vontade, Deixaria ele viver por conta própria, e não sonharia em viver outra vida.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A dois passos do paraíso

O Fenômeno lembrado é sem limites. Alias, um acontecimento lembrado nada mais é do que o próprio fenômeno. Surge ali, uma vez mais e a cada vez, quente e mole, feito ao desfeito, pronto ao manejo. E desse mesmo jeito a história da lembrança - ou a lembrança da história - é sem limites. A história corre solta pelos campos Elíseos. Mas somente para aqueles dispostos a entrar de cabeça no jogo da vida. Aqueles dispostos a deixar desafiar os limites. Aqueles cujo o próprio mundo não é tão próprio quanto gostaria nem tão desapropriado quanto pensava. Um mundo ambíguo, mas transmissível. Um mundo de dois abraços, mas voltado sempre ao pungente esforço de tornar-se uno. Mundo onde realidade é um contexto. No Agora, o passado e o futuro estão sendo. Hoje, o passado, no futuro, serão vários. Todos eles prontos a te salvar. Seu presente é o que você faz do passado e o que projeta no futuro. No viver pleno da presença no presente, seu passado é um e é outro, conforme caminha. Para trás e para frente. Na diagonal ou em círculos. Seu futuro, também. Tendo de ser, você é. Mas possui a 'dádiva' de querer/poder ser o que gostaria de 'é'. Projetar-se. Assujeitar-se. Ser grande, pequeno, invisível. Indivisível. Compreende? Ser humano não é ser humano e ponto. Ser humano é ser humano ponto e vírgula, aonde em ser, tudo cabe. Aonde em ser, tudo enquanto possível, cabe. Não é loucura, não é relativo, não é caos. é o problematizar do possível a chave. E a fechadura.